Trabalhadoras que já atuavam em plantões intensos e em duplas ou triplas jornadas vêm sofrendo com um cotidiano exaustivo há cerca de um ano. Não é novidade para ninguém que as mulheres normalmente sofrem com o excesso de responsabilidade e atividades devido ao acúmulo de funções em casa e no emprego. Para as profissionais de saúde que atuam na linha de frente do combate à covid-19, está ainda pior.
A psicóloga Grisiele Silva destaca que são muitas as dificuldades enfrentadas por essas mulheres. "Cuidados com os filhos, incluindo a educação, higienização e limpeza da casa e das compras pelo risco de contágio, preocupação com a família para que não sejam infectados por elas, que têm contato diário com a doença. Além disso, tem o apoio de longe aos pais, que pertencem a uma faixa etária mais vulnerável ao vírus, e uma sobrecarga de trabalho por hospitais lotados", explica. Para a especialista, o resultado é de "exaustão física e emocional".
Grisiele ressalta que este é um período difícil especialmente para estas mulheres, que lutam bravamente todos os dias para preservar a vida, com pouco tempo disponível para o autocuidado - considerado de extrema importância para o equilíbrio emocional e saúde física. "São guerreiras que estão vivendo um cenário de guerra diariamente, com um número muito elevado de óbitos e a terrível sensação diária de impotência. Quando tudo isto passar, e esperamos que seja em breve, é possível que estas profissionais ainda sintam os efeitos destes dias tão difíceis."
Para contar um pouco da história de trabalhadoras e homenagear, no Dia Internacional da Mulher, estas que estão na linha de frente de combate à pandemia de covid-19, o jornal A Redação entrevistou profissionais de saúde que lidam diariamente com a doença e ainda dividem seu tempo com família e outras funções.
"A força feminina está segurando o serviço de saúde"
Uma das mulheres que tem se destacado no serviço de saúde em Goiás é a Superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde (SES-GO), Flúvia Amorim. Sob seu comando, estão as atividades de promoção e a integração de ações de imunização, vigilância epidemiológica, sanitária, saúde ambiental e do trabalhador.
Ela afirma que as mulheres estão vivendo os momentos mais difíceis de suas carreiras e ainda precisam lidar com espaços diferentes. "Não falo só por mim, são mulheres, mães, esposas que precisam ser três, quatro, cinco pessoas ao mesmo tempo. Precisamos de apoio de familiares e amigos para que possamos exercer essas funções."

Flúvia Amorim: "Exercemos três, quatro, cinco funções diferentes" (Foto: Britto)
Flúvia destaca ainda que a maioria do corpo de profissionais de saúde é composta por mulheres. "As mulheres são cerca de 80% dos trabalhadores que estão nessa linha de frente. A força feminina está segurando o serviço de saúde, entre médicas, enfermeiras, técnicas, biomédicas, fisioterapeutas, entre tantas categorias, além as áreas administrativas. Este mês deve ser de muita homenagem a essas profissionais, porque elas realmente merecem muito. Precisamos cuidar muito dessas mulheres", diz.
Casada e mãe de dois filhos, um de 20 e outro de 14 anos, a superintendente afirma que sua rotina não tem sido fácil. "Passo muito tempo ausente. O tempo que eu tenho com minha família uso para me reaproximar deles, porque me dedico muito ao trabalho, mas não posso deixar de lado essa minha face."
"Assumimos vários papéis e acumulamos várias funções"
A responsável técnica de psicologia do Hospital de Campanha de Goiânia (HCamp), Laura Meneses Vinhal, atua diretamente contra a covid-19 desde que o primeiro paciente foi admitido na unidade. "Eu já estava no HCamp antes de termos pacientes lá", lembra-se, com olhar carregado de orgulho.
Laura diz que, desde então, vive uma rotina desgastante, pois é preciso estar atenta aos mínimos detalhes dos pacientes, de sua própria saúde física e mental, além dos cuidados cotidianos, como a paramentação com os equipamentos de proteção individual (EPI). "Não é fácil. Assumimos vários papéis e acumulamos várias funções. Ninguém melhor que a mulher para falar sobre cuidado, e aqui cuidamos dos pacientes, da família e dos colaboradores."

"Ningúem melhor do que a mulher para falar sobre cuidado", diz a psicóloga Laura Meneses (Foto: Letícia Coqueiro)
Em sua atuação, a psicóloga destaca que as profissionais são "os olhos dos familiares de pacientes isolados". "Fazemos vídeochamadas, transmitimos recados e notícias. É muito gratificante quando podemos dar a notícia de que o paciente internado terá alta. É uma recompensa inestimável, que faz valer a pena o trabalho cansativo", diz.
Mãe de um menino de 3 anos, Laura conta ainda que procura separar suas faces pessoal e profissional para fazer o seu melhor de acordo com o momento e o local em que está. "Dou o meu máximo quando estou com pacientes e familiares. O que eu faço é vestir a camisa de onde estou atuando no momento. Meu filho também precisa de mim, eu preciso ser mãe, ser dona de casa. No hospital faço o meu melhor, fora só posso seguir em oração por todos das equipes, pacientes e sociedade em geral."
"Nunca imaginei passar por um momento tão complicado na minha profissão, na minha vida"
Tatiana de Lima é enfermeira no Hospital e Maternidade Municipal Célia Câmara (HMMCC), unidade que está dedicada ao tratamento de pacientes infectados pelo novo coronavírus. Casada e mãe de dois filhos, ela conta que às vezes sente-se mergulhada em um pesadelo.
"Posso falar que nunca imaginei passar por um momento tão complicado na minha profissão, na vida, no dia a dia, em que tudo tem um peso muito grande. Conciliar todas as áreas é muito muito difícil, ainda mais vivendo essa pandemia, vendo pessoas morrendo todos os dias, com muita angústia, medo e à espera de dias melhores", lamenta.

Tatiana é enfermeira no Hospital e Maternidade Municipal Célia Câmara e diz que o cansaço é não só físico, como também emocional (Foto: Letícia Coqueiro)
Ela diz ainda que o cansaço físico e emocional é muito grande e que muitas vezes é difícil não se comover. "Nós, profissionais, estamos destruídos emocionalmente. Acordamos cedo, trabalhamos e todos os dias vemos vidas indo embora. Em todo momento pedimos pra que tenhamos mais uma oportunidade de abraçar nossos filhos e o que sustenta cada um de nós é se apegar a Deus, em primeiro lugar, e depois em nossa família."
Para Tatiana, ter que se ausentar da vida de seus filhos é frustrante, mas é o que ela pode fazer para protegê-los. "Estou perdendo o melhor dos meus filhos por conta disso, tenho medo dos meus pais pegarem e não conseguirem assistência. Então, penso que o mínimo que eles ficarem comigo é o melhor. Evito beijá-los e abraçá-los, é muito doloroso", relata.
Apesar de todas as dificuldades que vem enfrentando, a enfermeira afirma amar sua profissão e sentir orgulho por estar atuando nesta área durante a pandemia da covid-19. "Fiz até uma tatuagem em homenagem ao meu trabalho. Ser enfermeira foi a realização de um sonho de infância. Ouvi minha avó Ana, já falecida, dizer que eu servia para ser doutora e aquilo me tocou muito."
"Posterguei o sonho de ser mãe"
Larissa Saboya é médica e infectologista e lida diariamente com pacientes de covid-19. Ela afirma que ser mulher e estar na linha de frente é um desafio. "É viver constantemente com o medo: o medo de adoecer e adoecer meus familiares, em especial meu marido, que é a única pessoa que tenho contato intradomiciliar", revela.
Ela acrescenta que precisou se afastar dos familiares para poder protegê-los e que a cada dia é um novo desafio. "Eu vivo com saudade, porque me afastei de minha família. Tenho que lidar com situações novas, tive que me tornar a provedora da casa, já que a pandemia tirou do meu marido o emprego. Também tive que lidar com meus medos e ansiedades, pois preciso ser forte."

"Vivo com um medo constante, com saudade da minha família", diz a médica infectologista Larissa Saboya (Foto: Letícia Coqueiro)
Seu maior desafio, no entanto, é lidar com as mortes. "Perder pacientes como nunca perdi antes, ver famílias dizimadas, filhos sem mães, mães sem filhos. Também posterguei o sonho de ser mãe. Afinal, gestantes se tornaram um grupo de risco e é impossível ser gestante e estar na linha de frente. É muito difícil entender como um vírus, algo invisível, pode mudar tanto a nossa vida", pontua.
Apesar de todas as adversidades, Larissa ainda encontra momentos bons em seu cotidiano. "Podemos também viver intensamente a alegria de ver alguém sobreviver, sair do hospital, de ver um filho reencontrar uma mãe. Só espero que eu continue tendo forças para lutar contra o inimigo invisível e imprevisível. Que tudo isso logo seja história", encerra.Creditos: A redação.
Comentários